Por Renato Cunha*
A diversificação no uso da cana-de-açúcar como fonte de energia limpa e renovável ganha, cada dia mais, um novo capítulo na trajetória da indústria sucroenergética. Além do açúcar, etanol e bioeletricidade, o portfólio de produção das usinas do Nordeste passará em breve a contar com o fornecimento de biogás e biometano, algo que vem se disseminando nas empresas da região.
A iniciativa traz inovações de suma importância para a segurança energética do País e a redução, nos setores elétrico e de transporte, das emissões de gases que causam o efeito estufa. O biogás é uma alternativa renovável para substituir o gás natural, de origem fóssil. No setor elétrico, em termos de logística e custos de produção, a versão “verde” do gás apresenta inúmeras vantagens comparativas. Diferentemente do seu concorrente extraído a partir do petróleo, o biogás pode ser produzido de forma capilarizada, usando-se resíduos agrícolas e urbanos como matérias-primas. No setor sucroenergético, sua produção dá-se, principalmente, pela biodigestão da vinhaça e da torta de filtro, resíduos do processamento industrial da cana-de-açúcar.
Destaque-se que, no segmento rural, a impulsão do biogás no Nordeste ganhará protagonismo em consequência de estudos técnicos entre a Copergás e o Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool do Estado de Pernambuco (Sindaçúcar/PE). Esta pauta é também defendida pela Associação dos Produtores de Açúcar, Etanol e Bioenergia (NovaBio), com associados em onze estados brasileiros. A ação conjunta que envolve, de início, no mínimo 10 usinas, contará com a expertise técnica da consultoria Datagro, tendo à frente o seu renomado CEO Plínio Nastari e equipe.
O biogás, habitualmente utilizado na geração elétrica, impulsionará a bioeletricidade, ofertando mais energia limpa e contínua no sistema nacional. Enfatize-se que isso reduzirá o dispêndio com o acionamento de usinas térmicas movidas a energia fóssil. Já o biogás purificado, gasoso, denominado de biometano, substitui diretamente o gás originário do petróleo com uso residencial e industrial.
Nos transportes, a versão sustentável do gás natural veicular (GNV) poderá ser injetada na malha dos gasodutos. Desta forma, durante o período de moagem canavieira, as unidades sucroenergéticas pernambucanas poderão atender até 20% da demanda diária por gás natural no estado. Ou seja, terão capacidade de injetar cerca de 350 mil metros cúbicos de biometano no sistema, complementando com energia limpa os 1,7 milhão de metros cúbicos de gás atualmente consumidos todos os dias em Pernambuco.
No âmbito federal, a produção de biogás pelo setor sucroenergético tem grandes perspectivas. Cálculos do Ministério de Minas e Energia (MME) projetam que a partir da vinhaça, subproduto do etanol, será possível obter o dobro do volume de gás natural importado da Bolívia em 2019. Isso significa que em 2030, ano fixado pelo Brasil para o cumprimento de suas metas ambientais no Acordo Global do Clima, os canaviais brasileiros poderão prover cerca de 50 milhões de metros cúbicos de biogás por dia.
No setor de transportes, a fabricação de biogás e biometano cria outra oportunidade para a indústria canavieira no segmento de biocombustíveis. O biometano substitui o óleo diesel, com vantagens econômicas e ambientais. Já existem, no mercado, várias opções de caminhões e tratores com esta configuração. Atualmente, Scania e Volvo são as montadoras que mais investem neste segmento.
Em complemento ao papel desempenhado há mais de quatro décadas pelo etanol, alternativa renovável ao uso da gasolina, e como mistura que melhora a qualidade do combustível fóssil em automóveis leves, o biometano pode substituir o diesel mineral. Ao contrário do concorrente produzido do petróleo, o biometano tem emissão zero de materiais particulados, principais responsáveis pela má qualidade do ar.
Além do aspecto ambiental, registre-se o papel inovador do biometano para a tão almejada redução dos custos de produção, que impactam diretamente os preços de energia e de alimentos no Brasil. Na pandemia da Covid-19, este fenômeno se agravou devido à falta de insumos para a agricultura e às altas nas cotações internacionais do petróleo e de seus derivados.
Vale ressaltar que a produção nacional deste novo biocombustível será reforçada com a implantação do Programa Metano Zero, cujo lançamento pelo Governo Federal deverá ocorrer em breve, segundo anúncio feito recentemente pelo ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite. O Programa estará em plena consonância com a adesão do Brasil a um acordo global específico, assinado na última Conferência do Clima (COP-26) em Glasgow. O pacto estabeleceu o corte de 30% das emissões mundiais de metano de origem fóssil até o final desta década. Some-se a isto a inclusão do biometano no Programa RenovaBio, símbolo do pioneirismo brasileiro na descarbonização do transporte veicular e da produção agrícola.
Todas estas considerações realçam pontos que reforçam o discurso ambiental brasileiro, especialmente na COP27, que será realizada este ano no Egito. A contribuição da indústria nordestina de biogás e biometano, tendo como base o setor sucroenergético, faz-se, portanto, crescentemente estratégica para a sustentabilidade da nossa matriz energética.
*Renato Augusto Pontes Cunha é vice-presidente da Bioenergia Brasil e presidente Executivo da Associação de Produtores de Açúcar, Etanol e Bioenergia (NovaBio). Também preside o Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool no Estado de Pernambuco (Sindaçucar/PE).
Artigo originalmente publicado no Jornal Folha de Pernambuco.