Por Pedro Robério*
A ordem do dia, na elaboração, construção e execução de processos e projetos econômicos com alcance social, é a sustentabilidade ambiental dos mesmos e sua maior inserção social. Para tanto, governos e empresas inserem ou exigem, nesses projetos, o conceito e a aplicabilidade do ESG – environmental, social and corporate governance. A necessidade dessa governança ambiental e corporativa impõe a viabilização desses empreendimentos com as questões dos fundamentos na bioeconomia e na bioenergia de hoje e sua perspectiva para o futuro, menos pelo simplismo do “politicamente correto” e muito mais pelo “ambientalmente correto”, contribuindo para a redução do efeito estufa na atmosfera e a desaceleração das mudanças climáticas, que proporcionam as devastações de cheias e secas, calor e frios extremos atípicos, volatilidade errática das estações regulares do clima e as implicações desestruturadoras na organização social das comunidades sociais, notadamente dos mais pobres.
A humanidade assistiu, com satisfação, a todas as mudanças de hábitos, à aceleração do progresso e à redução da pobreza com a chegada a Revolução Industrial, iniciada no século XVIII, e com a “era do petróleo”, na segunda metade do século XIX, com seu apogeu no século XX.
O desenvolvimento tecnológico, a redução de custos nos processos de transformação e a expansão do uso da energia na melhoria e bem-estar do dia a dia das pessoas se transformaram nos únicos motivadores no desenvolvimento para maior oferta desses benefícios. Notadamente, a disponibilização de energia advinda do combustível fóssil – petróleo –, armazenada por milhares de anos no subsolo e no fundo dos oceanos, se constituiu no grande avanço tecnológico civilizatório de então.
Nesse processo, assumiu grande destaque o uso dos combustíveis líquidos em larga escala – diesel e gasolina – para viabilizar a circulação de pessoas e materiais. O crescimento populacional acelerado passou a exigir, cada vez mais, o aumento do consumo na queima pela combustão desses combustíveis, acarretando a correspondente e inevitável liberação de CO2 para a atmosfera. Identificou-se, a partir de então, uma simetria entre essa descarga de CO2 e muitas mudanças no comportamento climático de várias regiões do planeta, gerando tragédias e desarranjos sociais e agrícolas de grandes proporções.
É fato, também, que essa liberação excessiva de gás carbônico veio concomitante com a liberação de outros gases de outras atividades industriais e urbanas que, juntos, passaram a contribuir para a formação do efeito estufa, e a contribuição decisiva é cientificamente comprovada medida pelo aquecimento progressivo das águas oceânicas e os reflexos no degelo atípico das camadas polares e na interrupção do processo natural da evaporação das águas do planeta para a atmosfera.
Como não poderia ser diferente, a ciência e a tecnologia foram chamadas a se debruçar sobre as soluções para a inibição ou a redução da velocidade desse processo negativo para o equilíbrio climático do planeta e a consequente redução desses efeitos na vida dos povos.
Assim, de forma clara e inequívoca, a biologia, a química e a física nos oferecem a solução para esse incômodo problema, com a defesa do maior uso da bioenergia – energia renovável – de fontes limpas para se transformar na alavanca que deverá operar os sistemas de tecnologia industrial e de mobilidade social atuais.
A ordem, que se impõe, de convivência civilizatória socialmente justa e ambientalmente correta para o equilíbrio do nosso planeta é reduzir a pegada de CO2 no ir e vir das pessoas e nos processos de transformação industrial vigentes. A oportunidade, como nunca se verificou, é brasileira para esse histórico, integrado e sustentável processo de transformação planetário exigido por todos comprometidos com o bem-estar do ser humano.
O Brasil, há meio século, desenvolveu o seu biocombustível – etanol –, com larga produção e eficiente sistema de distribuição, e está apto a liderar esse processo de transformação, quer seja pela significação dessa experiência para o resto mundo, quer seja, sobretudo, pela importância que essa atividade assumiu no desenvolvimento nacional, na integração regional e na certificação da produção do biocombustível etanol mais relevante ambientalmente quando comparado com todos os processos de motorização veicular de baixo carbono em estudo ou desenvolvimento no mundo.
Os estudos técnicos e científicos já do conhecimento público, as manifestações da indústria automobilística nacional e a opinião fundamentada da academia com relação à produção e ao uso do etanol no Brasil nos recomendam concentrar os esforços de política pública e de desenvolvimento tecnológico empresarial nesse biocombustível. Sem discorrer, nesse momento, aspectos físico-químicos, nos permitimos destacar:
• Por força de lei, a produção e a distribuição de etanol no País passaram a ser realizadas e qualificadas através de certificação, por agentes credenciados internacionalmente, como decorrência de uma metodologia exigida pelo RenovaBio – Política Nacional de Biocombustíveis, através da qual os produtores são estimulados a produzir sem desmate e com a menor pegada de carbono em seu processo agrícola-industrial. Pelo seu conteúdo, essa política representa o maior programa de descarbonização hoje conhecido.
• No que se refere à motorização veicular propriamente dita, os carros a combustão flex, movidos a etanol, já emitem a metade de CO2 (60 g) quando comparados aos veículos elétricos na Europa (120 g), na consideração correta do processo pelo ciclo de vida do combustível.
• A adequação natural e automática dos motores a combustão a etanol, com a motorização veicular elétrica através dos carros híbridos, é processo em uso.
• A produção de etanol a partir da biomassa cana-de-açúcar, pela resultante da fotossíntese, protagoniza um evento de energia solar palpável.
• As entregas ambientais que o etanol proporciona na vertente da descarbonização são concretas e indiscutíveis, se configurando num facilitador no cumprimento das metas assumidas pelo Brasil nos Acordos mundiais sobre o meio ambiente e a necessária adoção de processos de uso de energia sem estimular o “efeito estufa”.
• O estímulo e a integração que o Brasil vem desenvolvendo junto a países africanos e asiáticos para a produção de etanol nessas regiões contribuem para a reorganização geopolítica mundial, com vistas ao desenvolvimento social e humano.
• Destaque, ainda, para o fato de cada veículo a etanol ser uma fonte de hidrogênio verde para motorização nos futuros carros movidos a células de combustíveis.
Ademais, e não menos importante, assume notória relevância, em nosso estágio atual de desenvolvimento econômico, o aspecto da importância social dessa atividade, pelos milhares de empregos absorvidos e a qualificação profissional que se pratica. Sem dúvida, o “S” do conceito ESG se apresenta de forma marcante e destacada nessa atividade.
Essa massa de empregos, por si só muito relevante, se espalha por todos as regiões do País, transformando essa atividade para além do desenvolvimento sustentável, na medida em que dá suporte a uma integração regional e nacional nos milhares de municípios onde se verifica a produção.
O início da produção em larga escala de etanol em nosso País, meio século atrás, a introdução pioneira dos carros flex há 20 anos, e o avanço na meritocracia na produção através do RenovaBio, desde de 2018, nos recomendam, enquanto País, a não copiar ou importar processos de motorização que não se harmonizem com o nosso consolidado polo sucroenergético, pela sua entrega ambiental relevante, pelo seu peso econômico-social na integração nacional na produção e pela inserção plena nos conceitos da bioenergia e nos postulados da bioeconomia.
*Pedro Robério de Melo Nogueira preside o Conselho Deliberativo da Associação de Produtores de Açúcar, Etanol e Bioenergia (NovaBio) e o Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool no Estado de Alagoas (Sindaçucar/AL).
Artigo publicado originalmente na Revista Opiniões (edição fevereiro/abril de 2023).