Por Renato Cunha*
A agroindústria sucroenergética é um dos setores mais relevantes da bioeconomia nacional, em sintonia com a agenda mundial do baixo carbono. A presença do setor entre os principais temas contemporâneos vai além da produção de etanol e bioeletricidade, dois produtos que há décadas ajudam a reduzir emissões de gases de efeito estufa nos transportes e na geração de energia elétrica. A cana-de-açúcar, em destaque no diálogo sobre a economia verde, insere-se, desta forma, num plano maior e mais visível. Historicamente, esta matéria-prima, por seus derivados, inscreveu o Brasil na pauta de importações da Europa e outros continentes.
A Rádio Jornal sempre se orgulhou da potência de seus transmissores que emitiam ondas curtas para o além-mar. Mais de 70 anos depois, Pernambuco se alinha com a pauta internacional da sustentabilidade. Não apenas fala para o mundo, mas com o mundo, valorizando o seu potencial agro ambiental graças à diversificação do uso da cana para produzir outras energias renováveis.
Nestes tempos, um dos destaques é o papel da indústria canavieira no processo de bioeletrificação da frota veicular. No Brasil, a produção de etanol abre o caminho que será trilhado pelos modelos híbridos flex. Em Pernambuco, o Polo Automotivo Stellantis, de Goiana, a exemplo de outras marcas, como a Toyota, investe pesado neste tipo de tecnologia. Tornou-se, em 2021, o primeiro polo industrial multiplantas carbono neutro da América Latina.
Outra inovação em desenvolvimento no País são os carros movidos a célula de combustível, pela qual se extrai hidrogênio verde diretamente do etanol para acionar o motor elétrico. Volkswagen e Nissan lideram essa corrida, que em breve poderá atrair novos competidores.
Para um futuro próximo, o portfólio das usinas sucroenergéticas do Nordeste passará a contar com o fornecimento de um novo biocombustível: o biometano, substituto do diesel em caminhões e máquinas agrícolas. Dados da Associação Brasileira do Biogás e do Biometano (ABiogás) indicam que a produção brasileira de biometano é da ordem de 400 mil metros cúbicos diários (m³/dia), mas poderá chegar a 120 milhões de m³/dia em 2030. Nos últimos meses, diversos projetos foram anunciados neste setor, que demandará investimentos de aproximadamente R$ 60 bilhões nos próximos oito anos.
Segundo recente estudo da WWF, reconhecida organização não governamental ligada à conservação ambiental, o biometano será fundamental para a mitigação das emissões de gases de efeito estufa nos transportes pesados. Grandes montadoras, como Scania, Volvo e Iveco, já desenvolvem modelos neste segmento.
Além de ser o biometano uma solução para a mobilidade automotiva mais sustentável, o relatório da WWF reforça o fato de que este produto também poderá ser usado na geração de energia elétrica em indústrias e residências. Vale enfatizar que o potencial da biomassa brasileira para fazer biometano equivale a uma hidrelétrica de Belo Monte, e que boa parte desta capacidade reside na indústria da cana. Isto devido à produção de biogás, habitualmente utilizado na geração elétrica, e obtido de resíduos da fabricação do etanol, como a vinhaça e a torta de filtro.
Em Pernambuco, estudos técnicos realizados pelo Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool do Estado de Pernambuco (Sindaçúcar/PE) e pela Companhia Pernambucana de Gás (Copergás), com expertise da Consultoria Datagro, indicam que durante o período de moagem canavieira, as unidades sucroenergéticas poderão atender até 20% da demanda diária por gás natural no estado. Até o momento, dez usinas locais planejam injetar mais volume do produto na malha de gasodutos da região.
Com maior oferta de energia limpa e contínua no sistema nacional, o dispêndio de recursos públicos para o acionamento de usinas térmicas movidas a energia fóssil, como o diesel, será menor. Cálculos do Ministério de Minas e Energia (MME) projetam que somente a partir da vinhaça é possível extrair 50 milhões de m³/dia de biogás, o dobro do volume de gás natural que veio da Bolívia em 2019.
O biogás e o biometano impulsionarão ainda mais a bioeletricidade nas usinas de cana-de-açúcar. Vale lembrar que praticamente todas as unidades são autossuficientes em energia elétrica obtida da palha e do bagaço da cana e muitas exportam os excedentes. Os canaviais pernambucanos certamente ajudarão o Brasil a cumprir, até o final desta década, suas metas de redução de emissões de GEE firmadas no Acordo Global do Clima.
No contexto acima, refiro-me especificamente ao pacto que estabeleceu o corte de 30% das emissões mundiais de metano até 2030. Importante observar que tal incremento em nossa carteira de energias renováveis se coaduna com sólidas políticas de Estado voltadas à descarbonização de nossa matriz energética, casos dos programas Metano Zero e RenovaBio.
Depois do pau-brasil, o produto brasileiro que atravessou os mares ainda no século do descobrimento foi o açúcar de Pernambuco. Da lavoura de cana, hoje disseminada por todo o País, veio o etanol, a base de todas as fontes de energia referidas neste artigo. Elas nos ajudam a participar da revolução verde e da bioeconomia. Hoje, Pernambuco fala para o mundo com um modelo verde e promissor de bioquímica.
*Renato Augusto Pontes Cunha é vice-presidente da Bioenergia Brasil e presidente Executivo da Associação de Produtores de Açúcar, Etanol e Bioenergia (NovaBio). Também preside o Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool no Estado de Pernambuco (Sindaçucar/PE).
Artigo originalmente publicado no Jornal do Commercio Online.