Por Renato Cunha*
Dois anos após sua implementação, o Programa RenovaBio, uma das iniciativas globais mais bem-sucedidas visando a mobilidade sustentável no setor nacional de transportes, enfrenta um sério revés. No final de julho passado, o Ministério de Minas e Energia (MME) anunciou a prorrogação do prazo para o cumprimento das metas de descarbonização de 2022 pelas distribuidoras de combustíveis. Agora, em vez de comprovarem o atendimento das metas em dezembro deste ano, estas empresas terão até 30 de setembro de 2023 para fazê-lo.
A decisão, segundo comunicado do governo, ocorreu por causa da elevação extraordinária e imprevisível nos preços de derivados do petróleo e dos impactos sociais dela decorrentes. Argumenta-se, com uma ótica distorcida, que o valor crescente dos certificados de descarbonização (CBios) tem influenciado significativamente o aumento do preço dos combustíveis nos postos. Estes títulos verdes são emitidos por produtores de biocombustíveis e adquiridos na B3 pelas distribuidoras que operam com combustíveis fósseis.
Segundo análise do Banco Santader, em 2021, ano com grande oferta de CBios, que custaram, em média, R$ 40,63, o valor do repasse da distribuidora para os postos ficou em menos de um centavo por litro de combustível. Vê-se, portanto, o efeito quase nulo do RenovaBio na formação dos preços dos combustíveis.
É importante ressaltar que o regime de livre mercado, e não intervencionismo governamental, sempre deverá operar na definição dos preços e na oferta dos CBios. Desde 2020, as metas do RenovaBio são crescentes e o excedente dos títulos verdes está ficando menor, o que demonstra o sucesso do Programa.
A decisão do MME prejudica a amplitude do RenovaBio. Impede seriamente a expansão dos CBios, uma das principais ferramentas para o seu êxito. Estes papéis representaram, no ano passado, receita adicional de R$ 1 bilhão para os produtores de biocombustíveis, que viabilizou investimentos na expansão e na eficiência energética de uma indústria responsável por milhares de empregos diretos e indiretos em mais de 1.500 municípios. Há também que considerar os inúmeros benefícios ambientais da fabricação e uso de combustíveis renováveis. A prorrogação das metas para a aquisição dos CBios configura uma prática lesiva à sua comercialização junto aos fundos de investimentos ou empresas que precisam compensar suas emissões de gases de efeito estufa (GEEs).
Mudar as regras do jogo com a partida em andamento não faz sentido. Ainda mais se considerarmos que o RenovaBio não foi criado para ser uma política de controle dos preços, mas sim uma política de Estado inspirada no papel estratégico de todos os biocombustíveis na matriz energética brasileira. Além de gerar instabilidade no ambiente de negócios, principalmente em relação a investimentos na produção de etanol e biodiesel, a mudança de prazo nas metas enfraquece a imagem do RenovaBio, visto internacionalmente como referência. A medida do MME fragiliza o protagonismo do Brasil no mercado de créditos de carbono.
O setor sucroenergético, por meio de suas associações nacionais e regionais, como a Associação de Produtores de Açúcar, Etanol e Bioenergia (NovaBio) e o Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool no Estado de Pernambuco (Sindaçúcar-PE), respectivamente, está de portas abertas ao diálogo com o governo. Queremos discutir propostas que aperfeiçoem o RenovaBio, prolongando um debate racional, que se estendeu, por vários anos, com todos os elos da cadeia produtiva de combustíveis.
*Renato Augusto Pontes Cunha é vice-presidente da Bioenergia Brasil e presidente Executivo da Associação de Produtores de Açúcar, Etanol e Bioenergia (NovaBio). Também preside o Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool no Estado de Pernambuco (Sindaçucar/PE).
Artigo originalmente publicano no Portal NovaCana.